A participação especial desta semana apresenta um texto da Cris - por sugestão da dona Dita - minha mami querida, que escreve lá no www.oeuprofundo.blogspot.com. A mulher se empolgou e fez um texto enooorme. Enorme e essencial, leiam até o fim!
Ps: A imagem que aparece junto ao texto é uma pintura de McGinnis. Eu tomei a liberdade de colocá-la aí por que é uma linda obra e por que a mulher retratada me lembra muito a dona Cris.
Dança Comigo versão 2006
O enredo é conhecido: homem de meia idade, bonitão, boa situação financeira, filhos lindos, esposa perfeita, um belo dia, sem saber por que, sente que sua vida tornou-se um tédio. A esposa não tem tempo pra ele, os filhos o tratam como um ser secundário. Ele vai levando a vidinha em banho-maria, até que ao passar em frente a um prédio, no caminho de volta para casa, depara-se com algo inusitado: uma escola de dança. Sentindo-se atraído por uma bela figura feminina postada à janela, ele resolve subir. Meio por curiosidade, meio por acidente, acaba ficando. Faz uma aula. Faz duas. Volta a sorrir, encontra novos amigos. É uma outra pessoa, até que a mulher desconfia e resolve investigar o que o faz tão diferente. Intui tratar-se de outra mulher. Descobre a paixão do marido pela dança.Esse é o enredo do filme “Dança comigo?”, refilmagem de um filme japonês que eu não vi, infelizmente. O filme tem aquela coisa levinha, meio ingênua, que faz a gente não pensar na vida e nos problemas, pelo menos, durante as duas horas em que acompanhamos as desventuras de Mr. Clark, o bonitão Richard Gere. Para mim o que chamou atenção foi justamente o “happy end” tão previsível em filmes desse tipo. E isso não tem nada a ver com o fato de Mr. Clark ter uma paixonite pela professora boazuda (Jennifer Lopez) e, ainda assim, voltar aos braços da esposa amada (Susan Sarandon). O que me espanta nesses filmes é a mensagem subliminar de que a gente só pode ser feliz (e felicidade aqui tem muito daquela coisa redonda e inquebrável, que a gente importa dos filmes direto pra vida) se tivermos uma simbiose perfeita com o ser amado. Se a gente for um só com ele/ela. O que faz Mr Clark feliz na verdade não é uma outra mulher, mas o fato de que, talvez pela primeira vez em sua existência, ele tem algo só dele, ele consegue se ver por inteiro, íntegro, ele tem, enfim, uma individualidade. Isso faz pensar que, na verdade, apesar de todo o avanço científico da humanidade nos últimos anos, décadas e séculos, a gente ainda sente certas coisas como os gregos. A gente acredita em nossa outra metade perdida, o ser que virá nos resgatar e, dessa maneira, nos completar. Quem diria que Platão faria um sucesso tão estrondoso? Quem diria que a gente pautaria a vida e um ideal de existência por um mito grego? Na verdade, isso ainda move o ser humano e, mesmo que a gente negue, persiste no inconsciente coletivo dessa humanidade maluca. Mr. Clark desiste da dança depois que a mulher o descobre participando de uma competição. Ele pede desculpas a ela por ousar se sentir infeliz ao seu lado (imagina, logo ela, a perfeição em pessoa...), por ter se atrevido a querer ter uma fatia da sua vida só pra ele. Ele se sente culpado por, afinal, buscar ser ele mesmo. Pecado supremo. A fim de se redimir, ele desiste de tudo. E só volta a bailar sob a benção da mulher amada, com o consentimento dela. Enfim, nada de ousado, nada de novo no front. Mais uma vez Hollywood engana. E nós, pobres mortais, querendo ou não, a despeito de sermos mulheres-poderosas-divas-e-necessárias (ou não), continuamos apostando as fichas no tal mito do amor romântico (não me sai da cabeça a imagem de Carrie no último episódio de Sex and the City, agora cá pra nós: quem nunca sonhou com um Mr. Big que atire a primeira pedra!). A questão não é jogar fora todo o romantismo, mas saber que ele não pode ser um ditador incansável, ou valor absoluto; não pode determinar todas as minhas escolhas e ações. Não pode me fazer feliz ou infeliz sozinho. É ótimo sonhar com um homem maravilhoso, lindo, cheiroso, inteligente e disponível. Mas é ótimo pensar que ele tem a própria vida, amigos (que não são os meus), projetos (que não me incluem) e que poderia, sim, ser feliz sem mim.
E eu também.
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