sexta-feira, 19 de março de 2010
(o mais agreste é o que fica no lado de dentro, sempre)
há uns dez anos atrás, talvez um pouco mais ou menos, fiquei três meses com mais um grupo de nove pessoas, morando em uma comunidade próxima ao município de amargosa (bahia). era um projeto social (tipo uma reedição do projeto rondon), coordenado pela então primeira dama da nação ruth cardodo, que levava universitários aos lugares mais pobres do país e os colocava a trabalhar para aquele povo judiado. fazíamos várias coisas (carteira de identidade, trabalho, vacinação, cartão saúde, atestado de pobreza, certidão de nascimento, óbito e por aí vai) e tínhamos uma asssitência dos governos estadual e municipal que nos emprestavam carros, nos doavam comida, material clínico e nos deram uma casinha pra morar. várias coisas nesta viagem me marcaram muito (tanto que anos depois eu repeti a experiência numa comunidade de pescadores do litoral catarinense), mas uma delas ainda hoje (e estou falando sobre isso porque sonhei muito nítido com o acontecimento) me deixa zonza. fui sozinha até uma casa (espaço minúsculo sem nenhum tipo de conforto) água ou luz, conversar com uma família e descobrir como eles viviam, foi bem no começo da viagem, e como a secretária de assistência social havia mapeado toda a área do trabalho, descobri que existiam seis crianças naquele lar. pai, mãe e seis crianças. resolvi levar pente (para tirar piolho), brinquedos, massinha de modelar e um rádio (com pilhas) com um cd infantil. quando estava quase chegando, já de rádio ligado, vi pela janela uma correria dentro do lugar e, sem entender patavinas, fiquei parada (sol a pino, bahia no verão, pensa) esperando que alguém viesse me receber. foram umas duas horas, talvez mais, de gente me espiando pelas frestas (que eram muitas) da casa. quando a pilha do som acabou e eu o enfiei na mochila de volta, o pai (que era pai apenas de algumas das crianças mas também marido de duas das suas filhas) me chamou pra entrar.
a senhora que vem lá do estrangeiro sem nem avisar acha mesmo que tem o direito de trazer essas armas pra cá e atrapalhar nossa vida e nossa paz? acha?
expliquei que o rádio era uma forma de diversão e que jamais eu havia pensado em atrapalhar ou constranger, muito antes o contrário, queria conversar, escutar e aprender. ele desarmou-se um tiquinho e continuou:
as pessoas acham que porque a gente vive aqui no nosso canto é bicho, mas saiba a senhora que gente é gente em qualquer canto desse mundão que tem até lugar sem seca e com neve. gente é sempre gente e é tudo igual, senhora. seja nós ou você...
fim.
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6 comentários:
Nessas ocasiões a gente amadurece muito e dá mais valor a um monte de coisas né? Não passei por nada parecido, mas acho super legal saber de quem fez.
sou seu fã.
Nossa. Arrepiei só de ler.
Parte da minha família é do vale jequitinhonha, em MG, e sempre que eu vou para lá eu fico sensibilizado com a situação do povo lá.
eu fui lá, saulo. fui conhecer e adorei também.
beijo.
Mas tem gente que acha que engoliu o rei. Por que será né?
ô vida de gado.
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